Thriller policial

Trama Digital – Cinco primeiros capítulos

Capítulo 1 – Libertação

30 de janeiro de 2024

A iminência da saída da clínica envolvia Cris em um turbilhão de sentimentos: um emaranhado de revolta e alívio que permeava todos os seus pensamentos. Faltava apenas um dia para Cris se libertar do confinamento. Ansiava pela retomada de sua vida, deixando para trás as paredes que o aprisionaram por esse tempo. No entanto, ao contemplar essa libertação, questionava-se sobre o que o aguardava ao atravessar novamente os limites da realidade que conhecera.

Aos 19 anos, Cris cedeu às pressões e concordou em se internar por trinta dias em uma clínica de desintoxicação digital. Acreditava que seria uma tarefa fácil passar um mês sem o uso de equipamentos tecnológicos conectados à rede. Sua decisão não era apenas uma forma de acalmar as preocupações de sua mãe, que insistira tanto para que ele aceitasse esse período de reclusão, mas também uma tentativa de reconciliação com o mundo real.

Além de não se render completamente à ideia de se libertar do vício tecnológico, Cris arrependeu-se profundamente da internação. Contava os dias, minuto a minuto, esperando pelo momento em que estaria livre novamente. “Justo em janeiro, meu mês de férias da faculdade”, lamentava-se consigo mesmo. A escolha de realizar a desintoxicação durante esse período de descanso acrescentava um sabor amargo ao arrependimento que o consumia.

Cris era verdadeiramente apaixonado por jogos on-line. Nos raros momentos em que não estava imerso nessa atividade, dedicava-se ao estudo da linguagem de programação Python. Essa habilidade não apenas complementava sua paixão pelos jogos, mas também era aplicada no controle meticuloso de seu drone de estimação.

Quando saía de casa, muitos passantes poderiam interpretar erroneamente seu comportamento, pois, à primeira vista, parecia que Cris não desgrudava os olhos do celular. No entanto, a verdade revelava-se a 50 metros acima do solo, onde ele habilmente guiava seu drone, acompanhando-o silenciosamente. Levar o drone para passear tornou-se a única atividade ao ar livre capaz de motivá-lo a sair de casa, embora, ultimamente, o drone deslizasse para fora da janela de seu quarto enquanto ele o pilotava confortavelmente deitado em sua cama. Essa peculiar relação entre Cris e seu drone delineava um cenário onde o mundo virtual e o físico se entrelaçavam de maneira única e intrigante.

Por outro lado, a experiência na clínica representou um marco singular para Cris, registrando o reencontro com a construção de amizades “presenciais” pela primeira vez desde que concluiu o ensino fundamental.

E assim, de maneira assertiva e decidida, despediu-se dos novos amigos da clínica durante a última dinâmica de grupo naquele dia:

— Oi! Meu nome é Cris! Sou apaixonado por tecnologia, programação de computadores e jogos on-line. Minhas atividades não serão interrompidas, mas sim exercidas com melhor controle e planejamento do tempo. Estou ansioso para equilibrar o mundo virtual e o real, enquanto continuamos essa jornada juntos. Vou prosseguir com meu projeto de desenvolvimento de pequenos drones, mergulhar nos estudos de programação, que é meu hobby apaixonante, e seguir até a conclusão da faculdade. Além disso, continuarei minhas consultorias aos amigos, que se tornaram meu ganha-pão atualmente. Vocês podem contar comigo sempre que precisarem. Minha promessa é me tornar uma pessoa mais equilibrada no uso do meu tempo conectado. Até nosso reencontro, seja no Parque da Liberdade ou nas consultorias!

Essa última parte não era apenas um reflexo do progresso alcançado durante a internação ou uma resposta à preocupação de sua mãe; era, sobretudo, uma tentativa de manter conexões significativas com os novos amigos que conquistara naquele espaço de transformação.

Teresa, mãe de Cris, enfrentava uma relação conturbada com o filho. Seus esforços para se aproximar e dialogar eram frequentemente frustrados, pois Cris parecia interessado apenas no mundo virtual, alimentando as preocupações maternas.

A maneira como ele escolheu ganhar dinheiro, por meio das “consultorias aos amigos”, acabou aprofundando o distanciamento entre os dois. Cris comercializava seu tempo ensinando o uso de aplicativos, navegadores, editores de fotos ou vídeos, por meio de videoconferências, garantindo alguns trocados. Além disso, realizava manutenções de softwares em notebooks, instalando aplicativos ou formatando os dispositivos para reinstalação do sistema operacional. Os depósitos em PIX caíam quase diariamente, o que parecia positivo. Contudo, para Teresa, era difícil discernir se ele estava genuinamente trabalhando ou usando essas atividades como uma desculpa para permanecer mais tempo conectado. Era uma fuga para Cris. Sempre que ela insistia para que ele se desconectasse um pouco, afastando-se do computador ou do celular, ele recorria à desculpa de estar em uma consultoria. Ela não tinha como verificar a veracidade disso. No entanto, o instinto materno alertava que, na maioria das vezes, ele estava mentindo; afinal, as consultorias não eram tão frequentes quanto ele afirmava.

Os conflitos na relação entre Teresa e Cris atingiram um novo patamar quando ela tentou persuadi-lo a buscar um emprego e assumir um compromisso profissional, mesmo enquanto ele ainda cursava a faculdade. Para Teresa, a ideia era simples: se ele tivesse um emprego, sairia do quarto para trabalhar. Como uma conta de padeiro de Teresa.

— Mãe, quando eu me formar, eu procuro um emprego na minha área.

— Filho, você já pode trabalhar, tentar algo na mesma área que sua faculdade de tecnologia. Seria até melhor para criar relações de trabalho e adquirir experiência, mesmo que ainda vá iniciar o segundo período do curso…

Era uma conversa que se repetia incessantemente, sem conclusão, pois a fuga de Cris consistia em ameaçar com chantagem:

— Se for assim, então já falei, vou trancar a faculdade, mãe. Aí deixo para fazer a faculdade mais tarde, quando tiver um emprego. — E saía sem falar mais nada.

A dependência digital não era um problema isolado: estava prestes a se transformar em uma nova pandemia. Estudos revelavam que essa dependência era a causa de inúmeros distúrbios de ansiedade e depressão. Relatórios indicavam que esse vício estava por trás da queda no rendimento escolar, desde o ensino fundamental até o ensino superior, alertando para uma futura escassez de profissionais qualificados no mercado de trabalho. A preocupação se estendia para o futuro das profissões, questionando um cenário caótico caso todos os jovens buscassem se tornar influenciadores digitais. Somando a tudo isso, era crescente o número de profissionais vendendo cursos e treinamentos nas redes sociais, mesmo sem a experiência necessária nas áreas ofertadas. A verdade é que muitos não vendiam os treinamentos e sim, o seu tempo para monetização.

Essa conjuntura levou os governos ao redor do mundo a intensificarem o controle e monitoramento das atividades on-line. A transição do ano de 2023 para 2024 ocorreu em meio a um ápice de insatisfação popular. Em Belo Horizonte, assim como no restante do mundo, o cenário refletia uma preocupação crescente com os impactos da dependência digital e as medidas necessárias para mitigar seus efeitos.

Com a aprovação das novas legislações, todas as atividades realizadas pela Internet passaram a ser compartilhadas e consultadas pelas autoridades. Compras on-line, conversas telefônicas, jogos, mensagens de texto (sejam de aplicativos como WhatsApp, Telegram ou Instagram), e-mails, tanto corporativos quanto pessoais, podiam estar sob vigilância e serem registrados no Banco de Dados Nacional, uma extensa base de dados governamental que se tornou uma fonte de provas para a resolução de vários crimes. Não eram mais necessárias autorizações judiciais para a interceptação de conversas ou mensagens na Internet; a legislação permitia o armazenamento de dados de qualquer pessoa, suspeita ou não. Era o trabalho dos robôs de monitoramento atuando na Internet.

Além disso, se o tempo de uso contínuo em um mesmo jogo on-line ou aplicativo de entretenimento ultrapassasse uma hora, o aparelho automaticamente tinha sua conexão com a Internet bloqueada nas próximas duas horas. Os provedores enviavam uma mensagem de alerta obrigatória, acompanhada de um timer decrescente de 120 minutos, que ficava disponível no navegador.

Para canais de Youtube classificados pelo governo como educacionais, o tempo permitido de uso era estendido para até uma hora e meia. Já para os aplicativos de streaming que transmitiam filmes, o tempo máximo autorizado era de até duas horas.

A comunidade de entusiastas de jogos precisava adotar estratégias para evitar o bloqueio. Cada pessoa tinha seu próprio método e Cris não era exceção. Ele alternava sessões de 55 minutos no PlayStation, seguidas por 55 minutos em algum jogo de celular e, por fim, dedicava mais 55 minutos ao estudo de programação em seu canal preferido no YouTube.

Em pouco tempo, vídeos no YouTube não ultrapassavam uma hora e filmes com duração superior a uma hora e cinquenta minutos nas plataformas de streaming eram disponibilizados em duas partes, como no caso do “Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”. A adaptação à nova norma impactava diretamente a forma como o entretenimento digital era consumido.

Nesse cenário desafiador, Cris experimentava as dificuldades de se readaptar à sua vida anterior, de dois ou três anos atrás. Seus amigos “virtuais” pareciam cada vez menos conectados, e muitos deles nem mesmo acessavam mais os jogos. Uma simples partida de Fortnite, que antes começava rapidamente, agora demorava quase 15 minutos para se formar, devido à escassez de jogadores necessários para completar os 100 integrantes essenciais para o início do jogo.

Teresa acompanhava todas essas mudanças com crescente preocupação, refletindo sobre como poderia auxiliar seu filho. Ela dedicou tempo considerável pesquisando tratamentos e clínicas que estavam surgindo para oferecer novas abordagens às pessoas que precisavam de auxílio. Essas iniciativas não visavam demonizar a tecnologia, mas sim promover o entendimento de que é possível utilizar a Internet de maneira saudável, controlando o tempo on-line e dedicando-se a atividades alternativas, como assistir a filmes sem consultar o celular, ler livros físicos ou caminhar ao ar livre sem verificar constantemente as mensagens.

A clínica estava instalada na sede da antiga fazenda Pôr do Sol, localizada em Sabará, a pouco mais de trinta quilômetros de Belo Horizonte. Apesar de estar em uma área rural, a fazenda contava com antenas bloqueadoras de sinal de Internet, uma medida extrema para evitar que qualquer pessoa tentasse burlar o isolamento digital.

Para Cris, essa precaução representava uma segurança exagerada, evidenciando a falta de confiança nos clientes, quase tratando-os como “prisioneiros”. A descoberta dessa medida aconteceu logo no início, durante uma conversa com César, que  também estava internado e se tornou amigo de Cris.

— Talvez eles tenham razão, pois as antenas não são anunciadas e divulgadas em nenhum momento, Cris. Só descobrem as antenas os clientes que tentam alguma forma de conexão com a Internet — ponderou César.

— Nóóó… E você descobriu há muito tempo? — perguntou Cris.

— Logo no primeiro dia que cheguei, à noite, conversando com um dos funcionários que cuidava do jardim. São aqueles equipamentos ali, ó — apontou para o local indicado.

Riram ambos, sem graça e ao mesmo tempo, naquele dia. A descoberta da existência das antenas era um misto de surpresa e compreensão do lugar em que se encontravam. Contudo, o sentimento de estar voltando para casa dava-lhe um ar de alegria por sua “libertação”, que era maior que sua revolta interna por ter aceitado ficar esse tempo lá. Nessa alegria, prometeu a si mesmo participar ocasionalmente dos encontros quinzenais dos reabilitados, no Parque da Liberdade. Mas da clínica, saía para não mais voltar. Sua mala estava arrumada desde o dia anterior.

Capítulo 2 – Reencontros

31 de janeiro de 2024

Teresa o esperava na recepção. Abraçou o filho cheia de saudades. Cris aconchegou-se no abraço da mãe, embora não gostasse muito de demonstrar isso. Assinaram os documentos de liberação e saíram.

— Vida nova, né, filho? — disse a mãe esperançosa ao abrir a porta do apartamento.

— Vida nova, vida nova. Mas agora vamos — e foi em direção ao seu quarto.

Cris retornou ao seu quarto, buscando a sensação de liberdade que tanto prezava. Ali, onde sua mãe acreditava que ele se isolava, era o lugar onde ele se sentia verdadeiramente livre. O ambiente estava meticulosamente organizado, refletindo a personalidade de Cris e suas paixões.

Ao entrar, já se deparava com uma mesa ampla de aproximadamente um metro e meio, equipada com suportes para seu notebook, na parede esquerda. Abaixo da mesa, quatro gavetas proporcionavam espaço adicional. Sobre a mesa, um drone descansava ao lado do carregador de celular. Acima da mesa, um painel de 50 por 50 cm exibia um conjunto de peças Lego cuidadosamente montado. Super-heróis como Homem de Ferro, Hulk (quebrando um muro), Capitão América (com seu escudo), Homem-Formiga (com a Vespa em seu ombro), Loki (pilotando uma nave) e Thor (segurando o Mjolnir) ocupavam esse espaço. Também havia uma pequena parte do topo da Torre dos Vingadores com seus equipamentos e o grande logotipo com “A” maiúsculo conferindo um toque personalizado ao painel.

Ao centro havia uma TV de LED e à direita, uma prateleira com seu PlayStation, controle DualSense, headset para jogos e óculos VR.

Na parede oposta à porta, uma ampla janela oferecia vista para a rua.

O lado direito do quarto abrigava sua cama, integrada a um guarda-roupa com gavetas na parte inferior e cinco portas superiores. Uma combinação perfeita para quem desfrutava de momentos de lazer e descanso.

Contudo, uma mesinha de lanche ao lado da janela foi uma proposta rejeitada por Teresa, que desejava vê-lo saindo do quarto para outras atividades. Mal sabia ela que Cris já realizava suas refeições na mesa do computador, após retornar da faculdade, enquanto ela estava no trabalho.

No primeiro dia em casa, Cris encontrou alguns amigos on-line, mas os jogos não fluíram como de costume. Além do tempo limitado que Cris considerava insuficiente, todos pareciam mais tímidos para conversar. Não havia gritos, brigas ou palavrões nos momentos tensos. Era como se estivessem todos agindo sob a sombra de uma plateia invisível. Quem poderia saber? A dinâmica do grupo, antes repleta de espontaneidade e intensidade, transformou-se em uma versão mais contida e polida, como se todos estivessem moderando seus comportamentos, cientes de que estavam sendo observados. O que antes era um ambiente de descontração e camaradagem agora exibia sinais de uma atmosfera tensa e auto censurada, deixando Cris intrigado com a mudança repentina na dinâmica das interações on-line.

No caso de Cris, sentia-se assistido on-line e presencialmente.

— Lembra que acordamos um limite de três horas, Cris,  incluindo o tempo de estudo? —  perguntava Teresa.

— Tudo certo, D. Teresa — respondia entediado.

Porém, a realidade mostrava-se diferente. Passado o tempo combinado, Cris imergia nos seus livros de programação, permanecendo no quarto.

A inércia era tanta que ao chegar o dia do Parque da Liberdade, ele preferiu não ir. Sua vida resumia-se a ficar naquele quarto durante todo o dia.

24 de fevereiro de 2024

Após um mês em casa, chega o novo dia do encontro e Cris surpreende a mãe, arrumando-se para ir ao Parque da Liberdade para encontrar os amigos ex-internos.

O Parque da Liberdade, nome do evento que ocorria quase quinzenalmente no conhecido Parque das Mangabeiras, impunha uma regra peculiar: dentro do parque, nenhum tipo de aparelho eletrônico, conectado à Internet ou não, podia ser utilizado. Antenas bloqueadoras de sinais de rede cercavam o parque, e armários com chaves na portaria permitiam aos visitantes guardar celulares, câmeras e tablets. Publicar fotos do evento em redes sociais era impossível, pois os aparelhos não entravam. Quem desejasse fotografar deveria frequentar o parque nos outros vinte e oito dias do mês.

Inspirado em projetos como a Rua é Nossa, que fechava vias urbanas para a prática esportiva nos fins de semana, o Parque da Liberdade buscava fomentar o esporte, a atividade física e o lazer, além de promover a convivência em espaços públicos.

Cris desceu do ônibus em frente ao parque, dirigiu-se ao caixa para pagar a chave do guarda-volumes e deixar seu celular.

Procurou por César, mas não o encontrou. “Que falha! Deveria ter enviado mensagem antes para ele perguntando se viria hoje…”, pensou. O paradoxo da comunicação dos jovens, capazes de trocar mensagens o dia todo sobre jogos e redes sociais, mas que pareciam falhar quando se tratava das coisas simples do dia a dia, destacava a ironia da comunicação moderna. Questões que a geração dos pais costumava se gabar: “Na nossa época, não tínhamos celular nem Internet, e os encontros eram combinados de forma muito mais eficiente.”  Mesmo com toda a conectividade, às vezes, a simplicidade de um aviso prévio se perdia, deixando Cris a refletir sobre os desafios da comunicação na era digital.

Ao entrar no parque, Cris se deparou com a Praça das Águas, repleta de crianças apreciando os tanques de carpas e os jatos de chafariz. Percorreu toda a praça, avistando um ou outro rosto conhecido de vista, mas que não havia se aproximado durante a clínica.

Subiu até o pequeno mirante para apreciar a vista da cidade. Antes de admirar a paisagem, aguardou uma mulher vestida de noiva fazendo fotos com a cidade ao fundo. Ao contemplar a cidade do alto, surpreendeu-se consigo mesmo, não se lembrava de quando tinha estado ali pela última vez.

As árvores do parque enquadravam a vista do mirante, tornando-a ainda mais espetacular. A cidade surgia ao fundo, em recortes entre a vegetação. A visão não convidava o espectador a admirar a cidade, mas trazia a beleza da paisagem para dentro de quem a observava. Cris se desligou do tempo, absorvido pela vista que o envolvia. Ao sair do Parque das Mangabeiras, a visão da cidade era renovada, tornando ruas movimentadas, lojas cheias, trânsito intenso e até muros pichados mais belos.

— Além de pilotar drones, também gosta de admirar a paisagem? — indagou um homem que se aproximou de Cris.

Cris levou um tempo para reconhecê-lo, mas logo percebeu que também estava na clínica e participava do mesmo grupo de dinâmicas. Com aproximadamente 35 anos, Cris não conseguia recordar seu nome.

— É tudo muito bonito, não é? —  perguntou o homem.

— Nu! —  respondeu Cris.

— Meu nome é Fernando, pode me chamar de Nando.

— Pode me chamar de Cris.

— Nunca o vi aqui, acho que nossos horários não coincidem.

— Praticamente a primeira vez que venho, desde criança. Costumo olhar a cidade pelo meu drone. Pena não poder trazê-lo hoje.

— E é melhor pelo drone?

— É diferente, com mais liberdade de alcance de imagem. Podemos dar zoom, é um vôo leve, mas não nos dá a mesma sensação.

— Bom encontrar você. Lembro que você falava de algumas ajudas que costuma oferecer pela Internet. Ainda trabalha nisso?

Nesse ponto Cris se animou mais:

— Claro, claro! E como precisa de ajuda?

— Pesquisas na Internet, logística de entregas, coisas difíceis pra mim que você deve fazer até dormindo. Podemos conversar sobre isso se quiser…

Assim passaram um bom tempo conversando, combinando como seria esse suporte. Era a forma mais fácil que Cris desenvolvia para ter novos amigos e contatos, e ainda ter alguma remuneração.

Só existia um novo problema para Cris: agora o tempo de consultoria estava inserido dentro de suas três horas diárias combinadas e esse problema, estava difícil de resolver. Então, não aumentaria muito mais sua base de clientes.

Capítulo 3 – Sombra mortal

29 de março de 2024

Os dias foram se desenrolando sem grandes surpresas. Poucos amigos marcaram presença on-line e as três horas diárias mais pareciam voar como se fossem 15 minutos, deixando o restante do dia esticado como se durasse eternas 96 horas. No decorrer de um mês, as partidas com César rolaram duas ou três vezes, enquanto com amigos antigos como Rafa e Beto, no máximo, umas quatro partidinhas. Nos demais dias, as partidas on-line eram preenchidas com a presença de usuários desconhecidos, tornando o jogo um ritual repetitivo, mas agora sem nenhuma conversa ativa durante as partidas. O cenário, antes cheio de risadas e trocas de ideias, transformou-se em uma experiência mais solitária, onde o jogo mantinha a mesma dinâmica, mas a interação humana tornava-se cada vez mais escassa.

Anteriormente, durante uma partida acirrada de Fortnite, Teresa conseguia sentir a vivacidade do apartamento através das animadas conversas de seu filho. Mesmo sem compreender as respostas dos amigos de Cris devido ao uso constante de fones de ouvido, as falas entusiasmadas revelavam um ambiente movimentado e cheio de energia. Perguntas como “Cê tá fazendo live como jogo?” ou mandando um “Pra aproveitar o tempo multiuso, né, sô?”. E as estratégicas vinham em alto e bom mineirês, como “Vam’ pular agora atrás da mata” ou “Não atira em mim não, véi! ou o clássico “Nó….!”  ecoavam pelo espaço. O apartamento tornava-se palco de emoções virtuais, onde saltos, alertas e estratégias eram discutidos com entusiasmo.

No entanto, hoje, o cenário é diferente. Um silêncio quase absoluto preenche o ambiente, transformando-o em um refúgio monástico. Seja estudando, jogando videogames ou imerso na leitura de um livro, Cris permanece envolto em seu próprio mundo, sempre acompanhado por seus fiéis fones de ouvido. O silêncio, agora dominante, contrasta com a efervescência virtual que antes preenchia o apartamento, espaço totalmente tomado por esse sossego mineiro.

No máximo, ecoava no ambiente virtual um simples “Levo o lança-chamas e você, o sniper.” A comunicação se resumia a estratégias de jogo, uma ponte frágil entre jogadores que antes compartilhavam risadas, histórias e emoções. O jogo continuava, mas a essência das interações se diluía, transformando-se em meros murmúrios digitais em meio à vastidão do ciberespaço.

Com a mãe em casa, a comunicação se resumia a poucas palavras. Uma vez esgotadas as três horas conectadas e as leituras do dia, Cris encontrava refúgio na sala à noite, enquanto Teresa acompanhava os telejornais. Antes do horário de jantar ou, na maioria das vezes recentes, durante um lanche descompromissado, eles compartilhavam o mesmo espaço, mas cada um imerso em seu mundo. As notícias fluíam pela tela da TV, mas para quem observasse atentamente Cris, as dúvidas surgiriam. Estaria ele absorvendo as notícias ou vagando por terras distantes em seus próprios pensamentos? O silêncio da sala era preenchido pelo zumbido da televisão, mas o verdadeiro diálogo parecia ter se perdido, perdido nas ondas de pensamentos de um jovem que, mesmo presente fisicamente, estava cada vez mais distante.


[Voz da TV]:
— O deputado João de Freitas, foi encontrado morto em seu apartamento, sentado em sua mesa de jantar. A perícia constatou que ele faleceu ontem à noite. Não foram encontrados sinais de arrombamento no seu apartamento. A polícia foi acionada e conduzirá as investigações.

Cris fica estável, como se a televisão estivesse desligada.


[Voz da TV]:
— Estão abertas as inscrições para o Concurso Nacional de Fotografias feitas por drone. As fotos precisam ter sido feitas a, no máximo, um ano atrás. A inscrição é de apenas uma fotografia por candidato. Para as inscrições, enviar a foto para o concurso, os dados do candidato, os dados e uma foto do drone utilizado para a realização da foto. Inscrições no site indicado na tela.

Teresa olhou para Cris, que continuou imóvel. “Meu Deus, nem isso chama sua atenção”, ela pensou.

— Viu isso, Cris? Um concurso de fotografias de drone. Por que você não se inscreve, sai por aí, dá umas voltas, faz uma fotos. Você gosta tanto.

— Pode ser — ele responde.

— Vai pensar nisso?

— Vou pensar.

A resposta foi dada com pouca animosidade. Teresa percebeu que teria que insistir mais para não perder a oportunidade de vê-lo saindo para realizar alguma atividade fora de casa.

No dia seguinte, no intervalo do jornal, nova propaganda do concurso de fotos.

— E então, filho, vai participar do concurso?

— Que concurso, mãe?

— De fotos de drone, que eu te falei…

— Uai! Tô estou sabendo, não.

Teresa se sentiu contaminada pela apatia de Cris e se desligou por um pequeno período. Parecia que o tempo na clínica e o controle rígido do tempo conectado não adiantaram em nada. Pensando bem, não parecia, estava bem claro. O ambiente que deveria trazer mudanças positivas parecia, ao invés disso, intensificar a desconexão e a apatia, afetando não só Cris, mas também quem estava ao seu redor.

Na televisão, nova notícia sobre a morte do deputado.


[Voz da TV]:
— A perícia concluiu que o deputado João de Freitas morreu envenenado à noite enquanto jantava em sua casa. Durante a necropsia, foi encontrada uma substância chamada Cianeto em seu corpo. A polícia continuará as investigações e não descarta nenhuma possibilidade, inclusive a de suicídio.

— Nóóó… É isso o que tanto me preocupa, filho! Essa onda de vícios de Internet, causando depressões, tristezas, criando essa tal realidade paralela, podendo até causar suicídios, fora outras doenças… Já vimos isso outras vezes…— disse Teresa em voz alta, mas ciente que falava sozinha.

Terminado o telejornal, Teresa foi à cozinha assar pães de queijo e passar um café coado. Os costumes mudam um pouco de região para região. Para Teresa, o café mineiro deve ser mais fraco, um pouco mais doce e começar a saciar o paladar já pelo aroma que exala por toda a casa ao ser coado, em um coador de pano, claro. O pão de queijo não pode ficar muito branco, deve abrir uma tonalidade corada com as marcas dos pedacinhos de queijo um pouco mais escuras, como pintas ao seu redor.

Assim que tudo estivesse pronto, Cris sairia da sua inércia para fazer esse lanche noturno. Pelo menos essa certeza ela tinha. Ele era apático mas não era bobo.

Se pudesse transmitir o aroma de um café mineiro coado com a fragrância de um pão de queijo assado dessa forma pelas páginas do livro, acredito que o leitor demoraria umas cinco vezes mais neste capítulo. De toda forma, como se trata de um romance policial, voltemos às preocupações de Teresa.

Cris comeu apenas um pão de queijo, tomou duas xícaras de café, em silêncio, e se recolheu ao seu quarto.

Logo depois, Teresa também foi se deitar. Preocupou-se com o jeito de Cris, cada vez mais calado. Preocupou-se com a notícias do possível suicídio noticiado e conectou os dois assuntos por conta própria: o vício em conectividade levava à depressão que podia levar ao suicídio. Era como se a noite fosse uma sombra da morte a cobrir seus pensamentos nesse momento.

Cris aguardou deitado até não ouvir mais nenhum sinal de que Teresa estivesse acordada. Após certificar-se, colocou seu fone de ouvido e ligou seu videogame. Deitado em sua cama ele teria uma hora direta no jogo que quisesse. Quando fosse bloqueado, dormiria. O tempo de bloqueio de duas horas passaria enquanto ele dormisse.

Capítulo 4 – Solidão crescente

12 de abril de 2024

Cris, envolto em crescente isolamento em relação aos amigos virtuais, buscava consolo nas consultorias que oferecia. Seu cotidiano começava cedo, quando saía de casa em direção às aulas na faculdade. Ao retornar, trazia consigo notebooks que precisavam de reparo, oferecendo suporte técnico aos seus colegas. Em algumas ocasiões, saía novamente à tarde para entregar os dispositivos já consertados. Caso fossem de colegas da faculdade, os devolveria no dia seguinte.

Teresa, por sua vez, não acompanhava de perto os movimentos de Cris ao longo do dia. À noite, compartilhavam momentos durante o noticiário televisivo. Esses breves instantes eram o principal contato que mantinham.

Ao final daquela semana, mais uma notícia sombria ecoou, anunciando a morte de mais um deputado:


[Voz da TV]:
— Morreu ontem à noite, o deputado Rafael Magalhães. O parlamentar estava em casa e jantava com alguns assessores e apoiadores quando passou mal e foi levado ao hospital. A primeira hipótese é que tenha sofrido um infarto fulminante. Foi constatado que o deputado já chegou sem vida ao dar entrada no hospital.

Teresa desligou a TV, decidindo afastar-se das notícias sombrias que envolviam a segunda morte de um parlamentar em Belo Horizonte. Em busca de conforto, dirigiu-se à cozinha para preparar um lanche reconfortante. O café mineiro foi servido com broa de fubá, destacando-se pelos pedaços generosos de queijo canastra.

Enquanto desfrutavam do lanche, Teresa abordou Cris sobre seus amigos e suas atividades on-line. A resposta dele trouxe a sensação de que a conexão virtual estava se desvanecendo. Em relação à faculdade e à busca por oportunidades de emprego, Cris mantinha uma postura mais descontraída, alegando que ainda era cedo para tais preocupações, mas não era o suficiente para despreocupar Teresa.

— E os amigos, Cris? Não o vejo jogar com eles?

— Estão mais desconectados mesmo.

— Como está a faculdade?

— Normal, mãe, tudo normal.

— Viu alguma oportunidade de emprego na área?

— Ainda é cedo para isso. Preciso de tempo para estudar e tenho conseguido ganhar algum dinheiro com as consultorias. Fique tranquila que em breve pagarei não somente a metade da mensalidade, mas toda a parcela.

— Não é sobre isso, Cris. É sobre você entrar no mercado de trabalho, conhecer pessoas…

— Ainda é cedo, mãe, é cedo.

Os dias se sucediam com uma monotonia previsível, apenas alterando-se os quitutes do café da tarde, como o pão de queijo, a broa de fubá, o biscoito frito, o frango com quiabo, e assim por diante. Teresa, por sua vez, continuava a acompanhar os telejornais em busca de informações sobre a morte do deputado João de Freitas. A falta de novidades sobre o caso deixava-a inquieta, repleta de dúvidas não esclarecidas e um certo ar de mistério pairando no ar.

26 de abril de 2024

Duas semanas depois, as notícias nas emissoras de TV e nos portais da Internet anunciaram a terceira morte de um parlamentar na capital mineira. Dessa vez, o deputado Antônio Dias foi acometido por mal-estar enquanto jantava em um bar na companhia de sua namorada. Apesar dos esforços do socorro imediato e do transporte veloz para o hospital, infelizmente, não houve tempo suficiente para salvá-lo. As informações disponíveis até o momento na reportagem eram escassas, deixando a causa da morte envolta em mistério.

A polícia se deparava agora com três casos de mortes de parlamentares em Belo Horizonte, todos apresentando sintomas de infartos fulminantes. O cenário despertou a atenção da imprensa e das plataformas on-line, gerando uma onda de questionamentos sobre as coincidências intrigantes entre os casos e a ausência de declarações oficiais que esclarecessem os eventos.


[Voz da TV]:
— Poucas informações foram divulgadas sobre a morte dos três parlamentares na capital mineira. Não foram divulgadas as causas da morte dos dois últimos deputados e informações sobre o andamento da primeira investigação também não foram obtidas.

Na imponente sala do Centro de Operações Investigativas do Estado de Minas Gerais (COIMG), um comitê reunido acompanhava com atenção as notícias transmitidas pelas telas do vídeo wall. O ambiente espaçoso abrigava um painel composto por 21 TVs de LED, dispostas de maneira a formar um mural de informações. Diante do vídeo wall, duas fileiras de mesas sustentavam 6 computadores cada, ocupados por operadores e pesquisadores que monitoravam atentamente os desdobramentos dos eventos.

Um pouco mais afastada, em um nível elevado de dois degraus, encontrava-se uma grande mesa de reuniões. Com capacidade para 16 pessoas, ela estava posicionada perpendicularmente ao painel de LED e abrigava os membros do COIMG, além de representantes governamentais. Do lado direito, próximo à entrada da sala, um espaço destinado a buffets estava disponível para servir lanches, cafés ou coffee breaks.

As TVs foram configuradas em diferentes canais de notícias, todas com o som ligado, transmitindo informações sobre as misteriosas mortes dos parlamentares. Os computadores desempenhavam um papel crucial na pesquisa de sites e na obtenção de um panorama abrangente da situação até as 22h. Embora não houvesse novidades sobre os três casos, a investigação naquela noite visava compreender o que a população e a imprensa sabiam sobre o assunto.

À frente do COIMG, o diretor Martim de Carvalho liderava a equipe, recebendo informações de seus colaboradores. Ao redor da grande mesa de reuniões, representantes do Governo de Minas, da Assembleia e das Polícias Militar e Civil do estado acompanhavam atentamente. Bernardo Guimarães, superintendente de Pesquisas, Investigações e Perícias do COIMG, preparava-se para compartilhar os resultados da pesquisa com o grupo.

O diretor Martim de Carvalho, após ouvir as informações prestadas por Bernardo Guimarães, ponderou sobre as revelações que surgiam a respeito das mortes dos parlamentares. A atmosfera séria da sala de reuniões do COIMG refletia a gravidade da situação.

— Apuramos que as notícias divulgadas e o entendimento da população apontam apenas a coincidência de os três políticos mineiros terem passado mal durante o jantar — iniciou Bernardo, compartilhando o resumo das investigações.

Martim de Carvalho, preocupado, indagou sobre as causas das mortes, buscando esclarecimentos mais aprofundados:

— E quanto às causas das mortes, o que está divulgado?

— A primeira, deputado João de Freitas, envenenamento, possível suicídio. A segunda, Rafael Magalhães, possível infarto e a terceira, deputado Antônio Dias, sem causa divulgada.

— E quem divulgou sobre o envenenamento de João de Freitas para a imprensa?

— Não identificamos, senhor.

— E o que nossas investigações internas já descobriram?

Bernardo prosseguiu, apresentando algumas coincidências descobertas:

— Os três parlamentares foram envenenados por Cianeto. Os três, durante o jantar. A comida das panelas da casa do primeiro parlamentar não continha veneno, apenas a de seu prato. A cozinheira não parece conhecer nem a palavra Cianeto e disse não ter usado nenhum ingrediente diferente, nem recebido compras nos últimos dias.

O superintendente de Pesquisas, Investigações e Perícias explicou que, no caso do restaurante e do bar, não havia mais amostras de comida disponíveis para análise, mas nenhum outro cliente que acompanhava Rafael Magalhães apresentou mal-estar. Bernardo Guimarães sugeriu o descarte de investigações adicionais com a cozinheira do primeiro deputado.

Martim de Carvalho, com expressão pensativa, respondeu:

— Pois não pode ser divulgada, de maneira nenhuma, que tratam-se de três possíveis casos de assassinato por envenenamento com Cianeto. Três suicídios é quase impossível de se imaginar. Nosso êxito nas investigações pode ser maior se os assassinos não souberem o que descobrimos.

Virando-se para os representantes do governador e do presidente da Assembleia, ele concluiu seu encaminhamento:

— Vamos designar um detetive exclusivo, especializado em perícias cibernéticas, para acompanhar esse caso. Além disso, abriremos cinco linhas de investigação e forneceremos uma dica falsa como como disfarce:

  1. Investigaremos todas as desavenças e inimigos políticos dos parlamentares.
  2. Solicitaremos exames toxicológicos de todos os assessores e apoiadores que jantavam com Rafael Magalhães e da namorada de Antônio Dias, para sabermos se há algum grau de intoxicação. A manipulação do veneno também deixa rastros.
  3. Pediremos uma autorização judicial para busca e apreensão de substâncias suspeitas na cozinha do restaurante e no bar.
  4. Investigaremos as caixas postais de mensagens de e-mail ou aplicativos dos deputados e descobriremos se receberam ameaças.
  5. Pesquisaremos sobre todas as compras de Cianeto realizadas no país nos últimos cinco anos, buscando possíveis conexões pessoais dos compradores.

E continuou:

— Por último, não confirmaremos, mas deixaremos entender que a polícia encerrará o caso de João de Freitas como suicídio, por falta de outras provas. Assim, os assassinos podem não se preocupar em apagar algum rastro deixado. Mas não quero pronunciamentos formais.

O representante do governador, Domingos Vieira, questionou:

— E quem será o detetive designado para o caso?

— Seu nome não será revelado, Domingos, nem mesmo para minha equipe. Ele reportará somente a mim as informações e eu as passarei à nossa equipe. Informe ao governador que ele pode ficar tranquilo.

O silêncio pesava na sala de reuniões do COIMG quando as discussões foram encerradas. O comitê, composto por peritos, representantes governamentais e o Diretor Martim de Carvalho, deixou o local com uma mistura de tensão e incerteza no ar. Múltiplas linhas de investigação foram traçadas, mas o mistério das mortes dos parlamentares permanecia intacto, gerando apreensão nos presentes.

Martim de Carvalho, líder da operação, refletia sobre as promessas e responsabilidades que recaíam sobre seus ombros. Seu semblante denunciava a preocupação e o peso da situação. Cada passo dado pela equipe de investigação tinha implicações significativas e as respostas pareciam distantes.

Enquanto isso, em um cenário mais doméstico, Teresa jantava sozinha. O aroma de um café fresco e de um pão de queijo quente preenchiam sua cozinha. Por outro lado, Cris se recolhia ao seu quarto, saboreando uma combinação clássica de queijo com goiabada, acompanhada por um copo de café com leite. O cenário contrastava com a tensão do Centro de Operações Investigativas. Cumprindo rigorosamente as três horas permitidas, Cris mergulhava em suas leituras, aguardando o momento propício para uma última partida, ainda que fosse com jogadores anônimos pela Internet. O ritual noturno de Cris estava prestes a se desenrolar, enquanto Martim de Carvalho e sua equipe continuavam a desvendar os enigmas que assombravam Belo Horizonte.

Capítulo 5 – A caçada

10 de maio de 2024

A sexta-feira amanheceu agitada em Belo Horizonte, com os noticiários ecoando por toda a cidade. Jornais, televisão e Internet rapidamente espalharam a notícia da morte do quarto parlamentar na capital. O clima tenso pairava sobre a cidade e a perplexidade se transformava em preocupação coletiva.

O novo óbito, ocorrido no fim da tarde do dia anterior, acentuou ainda mais o mistério que envolvia as mortes dos parlamentares. A população buscava respostas, enquanto as autoridades enfrentavam o desafio de elucidar os acontecimentos que assolavam a cidade.

A situação tornava-se cada vez mais complexa, e as incertezas cresciam, criando uma atmosfera de apreensão entre os cidadãos. Enquanto isso, a equipe de investigação do COIMG redobrava seus esforços para desvendar os enigmas que assombravam Belo Horizonte.


[Voz da TV]
— O deputado Rodrigues Caldas passou mal enquanto fazia caminhada na pista de cooper da Avenida José do Patrocínio Pontes. A polícia foi acionada para conduzir as investigações, mas não foram divulgadas outras informações à imprensa.

Às nove horas, o COIMG se encontrava em uma reunião crucial, exclusivamente com a equipe interna, para discutir os desdobramentos da quarta morte. O relatório entregue a Martim de Carvalho revelava resultados positivos para envenenamento por cianeto nos exames realizados no corpo do deputado Rodrigues Caldas.

Bernardo, líder da equipe, conduziu o resumo:

— Rodrigues Caldas também foi vítima de envenenamento por cianeto. A perícia identificou que o Cianeto estava na água que o deputado bebeu durante a caminhada.

Martim, interrompendo, questionou imediatamente:

— E temos um suspeito próximo?

Bernardo, prosseguindo, detalhou as ações da equipe:

— Não concluímos ainda. Ele estava sozinho e tudo indica que comprou a garrafa de água durante a caminhada.

Sem dar espaço para perguntas, Bernardo continuou sua explanação:

— Apreendemos todas as garrafinhas de água à venda na região, com a mesma marca que estava com o deputado, em lanchonetes e dos ambulantes. Nenhuma outra garrafa continha vestígio do veneno. Um vendedor ambulante reconheceu a foto do deputado e confirmou que foi ele quem vendeu a água. O vendedor é cadastrado na prefeitura e trabalha no local há 15 anos. Ele afirmou que o deputado caminhava sozinho.

Bernardo ainda prosseguiu, delineando as investigações em curso:

— Todas as compras de cianeto estão sendo investigadas. O Cianeto de Sódio, como sabemos, só pode ser adquirido por pessoas licenciadas pela ANVISA ou Polícia Federal, ou autorizadas pelo Exército. Estamos cruzando informações sobre estoques de laboratórios, indústrias, metalúrgicas e ourivesarias com os pedidos autorizados pela Federal e Exército para identificar possíveis roubos.

— Por último, não trabalhamos, por enquanto, com hipóteses de inimigos políticos ou motivações político-partidárias. Dois deputados de direita e dois de esquerda foram mortos, com bandeiras ideológicas opostas — concluiu Bernardo.

Martim, ouvindo atentamente, passou informações adicionais do detetive secreto, enfatizando a necessidade de manter sigilo sobre as causas das mortes. O desafio era conduzir uma caçada silenciosa ao assassino serial.

— Nosso detetive também está pesquisando conversas e transações na Dark Web, bem como estudando informações armazenadas no Banco de Dados Nacional, cruzando termos como “deputado”, “veneno” ou “cianeto”. Em breve terei mais informações para vocês. Mantenham sigilo sobre as causas da morte. Nossa caçada a esse assassino serial deve ser o mais silenciosa possível — concluiu Martim.

A tensão cresceu no COIMG quando Bernardo informou a Martim de Carvalho sobre a dificuldade em manter o sigilo após uma divulgação na Internet:

— Acabo de ser informado que o canal de Youtube “Com Lupa da Verdade”, da repórter investigativa Alessandra Cadar, divulgou agora de manhã, durante nossa reunião, que recebeu informações de fonte segura que os quatro deputados foram assassinados por envenenamento. Os sites e noticiários da TV estão replicando essa informação nesse momento.

Martim então pede para o operador mostrar no vídeo wall os exemplos das notícias vinculadas nos sites citados.

Segundo canal Lupa da Verdade, os quatro parlamentares foram envenenados“, “Descoberta a verdadeira causa dos óbitos de parlamentares em BH“, “As suspeitas se confirmaram, foram assassinatos” e “Eles não querem que você saiba, a causa é o cianeto” eram as manchetes mais comuns nos sites de notícias passando em letreiros eletrônicos na parte de baixo das telas. Aquela informação saiu de dentro da equipe, era essa a explicação. Mas não havia como abordar esse assunto naquele momento. Hora de redobrar os cuidados.

Martim, mantendo a calma, respondeu:

— Bem, vamos todos ao trabalho então. Não quero nenhuma declaração à imprensa sobre isso. Temos muita coisa para fazer.

Ao término da reunião, a equipe, agora mais focada do que nunca, voltou aos seus postos, determinada a desvendar os mistérios que atormentavam Belo Horizonte.

Martim ficou em pé observando a saída de cada membro da equipe. Como se quisesse olhar e ter o poder de identificar o vazador das informações. Ele tentava mostrar-se calmo e tranquilo, mas seus olhos só irradiavam raiva naquele momento.

Teresa, por sua vez, acompanhava as notícias pela TV ao fim do dia. Teve um alívio momentâneo ao constatar que a cidade não entrava em uma onda de suicídios. Mas logo sentiu-se angustiada ao perceber sua reação inicial. Tratavam-se de assassinatos. Aquilo tudo mexia com sua mente e uma sensação perturbadora a assaltou. Ao deitar-se, ela confrontou seus próprios sentimentos, perplexa diante do impacto que aquela série de eventos estava causando em sua percepção do mundo.

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