Crônica,  Degustação

O Túnel que Chora

(Degustação livro Presença)

Há, em Conservatória, um túnel construído entre os anos de 1879 e 1883, de forma artesanal pelos escravos, totalmente esculpido na pedra, em estado bruto, para a passagem da linha férrea inaugurada em 1883, por D. Pedro II. Com a desativação das ferrovias em Valença, na década de 70 e com a retirada dos trilhos, o túnel ficou para passagem de carros e pedestres. O túnel possui 95m de extensão, 5m de largura e 3,5m de altura, o que só permite a passagem de um carro por vez, e conserva ainda hoje as marcas escuras, enfumaçadas, da Maria-fumaça em seu teto.

No início dos anos 80 planejou-se demolir o túnel para expansão da rodovia RJ-137. Uma enfermeira, chamada Maria Komoid Nossar iniciou um protesto na cidade e posicionou-se na frente do túnel, dizendo que teriam que implodir o túnel com ela. O protesto teve grande aderência da população, conseguindo a preservação do túnel até hoje. O pequeno trecho estreito da rodovia RJ-137, que compreende o túnel, é chamado de Rua das Flores.

Das paredes de pedra da entrada do túnel descem filetes de água que caem ao chão gotejando, em determinadas épocas do ano que, segundo o pai, é o choro de saudade do túnel por Maria Nossar, sua protetora. Por isso, o apelido “Túnel que chora”. Por consequência, a nascente dessa água, no topo do túnel, chama-se Fonte da Saudade. Há pessoas que fazem pedidos, molhando-se nessa água.

Há outras versões sobre o choro do túnel. Uma delas é que o túnel chore pelos escravos que o construíram, quando muitos morreram durante a obra, como no site turístico do Hotel Vilarejo[1] ou no site de viagens Seja Ceo[2].

Havia até alguns anos atrás uma placa em sua entrada, com os dizeres:

Dizem que é de saudade
que o túnel vive chorando
.”

São os versos da música de seresta Rua das Flores[3], de José Borges de Freitas Netto, com outra versão para o choro do túnel:  

Rua das Flores

(José Borges de Freitas Netto)

Moramos na Rua das Flores,
o bairro da felicidade,
na rua do túnel tristonho
caminho que vai pra saudade…

Vem à lembrança,
o velho trenzinho apitando…
Tristeza nos olhos molhados…
Adeus de lenço acenando…

Quantas mulheres
partiram de trem soluçando…
Dizem que é de saudade
que o túnel vive chorando.

Sendo Conservatória distrito de Valença, carinhosamente chamada de Capital da Seresta, pelas famosas noites de tradição com serestas nas ruas, claro que teríamos várias versões romantizadas sobre a água que desce do túnel. Acho que a versão do pai é a melhor, chora de saudades pela enfermeira.

Em 1983, recebeu oficialmente o nome de Túnel Maria Nossar.

Meu pai contava essa história com um acréscimo importante para ele: conheceu a enfermeira Maria Nossar quando esteve internado. Era uma das enfermeiras do hospital (Hospital Gustavo Monteiro Júnior, a Casa de Caridade de Conservatória), isso muitos anos antes do episódio da preservação do túnel.


[1] O Hotel Vilarejo possui uma página “Conheça Conservatória”, em seu site, que contém pequenos resumos dos pontos turísticos de Conservatórios e algumas fotos. Disponível em: https://www.hotelfazendavilarejo.com.br/conservatoria/. Acesso em: 19 mar. 2021.

[2] A página da Internet “O que fazer na capital da Seresta”, no site Seja Ceo, traz várias indicações turísticas de Conservatória, com pequenas histórias (SANTOS, 2020). Disponível em: https://sejaceo.com/conservatoria-rj/. Acesso em: 19 mar. 2021.

[3] Música Rua das Flores consultada na página “Seresteiros de Conservatória” e disponível no Youtube: RUA DAS FLORES (2021). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FP092zh6xvw. Acesso em: 14 mai. 2021.


Trecho degustação extraído do livro Presença (2022), capítulo 7, entre as páginas 105 e 109.

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